Albertina Duarte divide seu tempo entre o consultório, o Hospital das Clínicas e a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, onde coordena o Programa Saúde do Adolescente desde 1986. Médica obstetra formada há 38 anos, foi uma das primeiras profissionais a lidar com a ginecologia infanto-juvenil no Brasil, ainda na década de 1970. Nesse período observou mudanças no comportamento de meninas e meninos, presenciou diversas conquistas das mulheres na sociedade e não tem dúvidas de que hoje o diálogo familiar em torno da sexualidade é muito mais aberto do que há 40 anos.
No entanto, Albertina também chama a atenção para um fenômeno que impacta de forma brusca e trágica a vida de crianças e adolescentes: a erotização precoce estimulada pela “política do consumo”, como diz. Ela conta que muitas de suas pacientes sentem-se discriminadas por não terem a roupa da moda ou são excluídas por não seguirem um padrão de beleza imposto pelo mercado.
Para ela, a velha desculpa de que a responsabilidade de toda a situação de violência que vivemos é dos pais não cabe mais nesse debate. “As famílias estão separadas, a mulher entrou no mercado de trabalho, as mães têm menos tempo para cuidar dos filhos. Isso é uma verdade internacional, mas isso não pode ser uma desculpa internacional”, alerta.
CeC - Há quanto tempo a senhora lida com adolescentes?
Albertina Duarte - Desde 1971, quando foi inaugurado o primeiro ambulatório de ginecologia infanto-juvenil do Brasil, no Hospital das Clínicas de São Paulo. Eu tinha um ano de formada e fui convidada para fazer parte deste trabalho. A ginecologia infantil no Brasil começou nessa época. Na Argentina, o trabalho teve início em 1950 e, nos EUA, em 1940. Até então, essa área era muito mais voltada para a mulher adulta. Foi exatamente em setembro de 71 que se iniciou essa questão aqui, com o ambulatório e com o primeiro livro sobre o assunto, do qual eu sou co-autora, com revisão do Prof. Álvaro Bastos, publicado em 1975.
CeC - Por que o Brasil começou a tratar a questão tanto tempo depois de outros países?
Albertina Duarte - As políticas públicas do Brasil eram mais voltadas para a questão materno e infantil. Então, os focos maiores eram relacionados à puericultura, ou seja, logo ao nascer. A visão da mulher como um todo - e da mulher com seu ciclo de vida, na infância, na adolescência, até a fase adulta e da terceira idade - não existia. E o foco ainda era o tratamento da doença, e não a prevenção da saúde. Mas os movimentos de mulheres que começaram nos anos 70 apontaram para a importância de todas essas fases da vida.
CeC - Nesse período, da década de 70 até hoje, que tipo de mudanças a senhora observou com relação à sexualidade?
Albertina Duarte - Sem dúvidas, as mulheres não tinham voz para falar sobre a sua sexualidade até os anos 70. Elas sentiam-se culpadas por não terem orgasmo, não terem prazer. Poucas falavam da questão da anticoncepção. Então, havia todo um sentimento de culpa ou de cobrança. A partir da década de 80, elas passaram a se voltar mais para a sexualidade, a falar dos seus comportamentos. Isso é um fenômeno mundial. Mas também foi nesse período que a atividade sexual começou a ser cada vez mais precoce. Precoce não em termos só de idade, mas em relação a vínculos afetivos. Em muito pouco tempo de conhecimento entre os parceiros, já há a relação sexual e a mulher passa a ser vítima da cobrança no que diz respeito ao corpo.
CeC – O que contribuiu para que isso acontecesse? A mídia tem um papel nesse processo?
Albertina Duarte - Eu não acho que seja apenas a mídia. Acho que é uma política de corpo na qual a mulher começa – no movimento histórico – a se cobrar por não ter o corpo exigido pelos padrões globais, internacionais de beleza. A mulher começa a lutar pelas suas reivindicações, pelos seus cuidados... Mas também passa a ser pressionada pelo consumo, com as vendas de produtos de beleza, da moda e tudo mais. Então, há dois movimentos: um movimento de mulheres voltadas para discutir seus direitos e sua força, e outro que utiliza a mulher para que ela sinta a necessidade de consumir muita coisa para ser aceita socialmente. A política de consumo faz com que a mulher fique erotizada. Hoje a moda faz com que as crianças vistam-se como pequenas adultas e usem objetos de consumo para se sentirem aprovadas. Na escola, a menina que não tem o tênis da moda, acaba se sentindo discriminada. A questão da erotização passa também por uma necessidade de vender produtos que valorizam o corpo das meninas e dos meninos. E com certeza as roupas da moda são objetos eróticos.
CeC – Hoje os adolescentes têm dificuldades de lidar com a sexualidade e o sexo? Eles se têm se envolvido cada vez mais jovens com essas questões?
Albertina Duarte - O diálogo mudou. Hoje com certeza os pais falam mais sobre a questão sexual e a AIDS certamente obrigou essa participação mais ativa dos pais na conversa sobre sexualidade. Em todo o mundo, a questão da sexualidade e o medo de morrer de AIDS são determinantes para uma mudança de comportamento. A AIDS ainda tem o agravamento do medo da morte. Se durante muitos anos o medo era de engravidar, a partir dos anos 80 os pais começaram a ter medo de os filhos morrerem. E começaram a trabalhar com as questões de dialogar sobre sexo. Eu tenho 38 anos de formada e não tenho dúvidas de que falar com os pais hoje sobre sexualidade está muito mais fácil do que há 10, 20 anos. Não só porque eu estou mais preparada, mas porque a sociedade está exigindo isso. A sexualidade passou a ser discutida não mais com foco na insegurança. O contato passou de “como são as cegonhas” a “como se transa”. Há informações na mídia, que considero importantes e interessantes, que colocam as questões da camisinha, por exemplo. E observo que há duas mídias diferentes: a que informa, que discute, e a que é patrocinada para consumir. Hoje a mesa do mundo mudou porque esses patrocinadores precisavam vender alimentos. O que você vê na mesa da família atual é diferente do que se via há 30 anos. Também temos um excesso de consumo de roupa. Eu não tinha isso nos anos 70, de uma criança precisar usar maquiagem, creme no corpo. Desde a maternidade, a lista já começa com ítens de consumo que só falta colocar camisinha infantil para recém nascido!
CeC - A senhora acha que a sociedade como um todo percebe a relação dos problemas ligados à sexualidade com o estímulo ao consumo?
Albertina Duarte - Eu acho que os pais são reféns. Eles são heróis e deram um salto inacreditável. Foi o salto de, sem serem ouvidos quando adolescentes, passarem a falar com os seus filhos sobre a questão. Pai que nunca pôde namorar dentro de casa, hoje prefere que o filho fique com a namorada dentro de casa do que sofra um abuso, uma violência na rua. O mundo mudou. A violência exigiu uma série de mudanças sexuais, a AIDS fez a sua função, e alguém ganhou. Quem ganhou? O pessoal do “consumir para lucrar”. O problema foi que as políticas públicas não alertaram os pais para isso.
CeC - A atividade sexual é cada vez mais precoce, mas a senhora não relaciona isso somente à idade. O que mais contribui?
Albertina Duarte - A menstruação, quando eu me formei, acontecia aos 13 anos. Hoje acontece aos 12. Eu já fiz parto de menina de nove anos de idade. São três mil casos de meninas que menstruam antes dos 10 anos. Meninas com seis anos que começam a ter mamas, pêlos, e que são abordadas na escola como pequenas mulheres. Eu atendia uma menina que de sete anos que era obrigada pelos meninos da oitava série (ela estava na terceira) a fazer poses eróticas. A gordura, o aumento de peso, e o excesso à exposição à luz e ao som estão relacionados à puberdade precoce; existem vários fatores. Se você antecipa a menstruação, você antecipa também caracteres sexuais secundários, quer dizer, quem menstrua aos 9, 10, começa a ter caracteres sexuais secundários três anos antes. Então, com sete ou oito anos, as meninas muitas vezes já se tratam como mulheres. Com os meninos isso também acontece. Essa situação não teve uma abordagem social das autoridades. Não é só uma política pública, é uma discussão nacional para que os pais tenham ferramentas para proteger os seus filhos. Não basta dizer: “A coisa começa em casa”. Não é bem assim. As famílias estão mudando. As famílias estão separadas, a mulher entrou no mercado de trabalho, as mães têm menos tempo para cuidar dos filhos. Isso é uma verdade internacional, mas isso não pode ser uma desculpa internacional. Não basta um discurso dizendo que é preciso que as famílias voltem às origens. Elas já estão em outra etapa. É preciso que o Estado e a sociedade garantam que as famílias não sejam culpadas pelas situações que estão acontecendo. Eu sei muito bem ver os sinais de abuso.
CeC - E quais são esses sinais?
Albertina Duarte – O primeiro é a queda do desempenho escolar. Depois observa-se a alegria, os olhos, o movimento da criança. Ou ela começa a falar muito rápido, fica muito agitada, ou muito quieta. E a mudança é brusca. Você vê uma criança que brinca de boneca, que conversa, e de repente ela passa a ficar diferente. Não participa mais, quer ficar sozinha. Esses são sinais importantes. Se essa criança chora ou não dorme direito pode ser até uma dor de barriga, mas pode ser uma gravidez. A mãe deve ficar na retaguarda e saber identificar quando seus filhos estão diferentes. Uma criança que só fica no computador, que fica quieta o tempo todo, não tem nenhuma recreação, não tem horário para comer pode estar com problemas.
CeC – A violência sexual atinge todas as camadas socioeconômicas?
Albertina Duarte - A violência sexual atinge crianças e adolescentes de altíssima classe social até de classes sociais mais baixas. Se nós temos um sinal democrático que é horrível, é a violência. Ela perpassa todas as classes sociais com quase a mesma intensidade. E muitas vezes uma família de nível social muito alto tem as mesmas poucas ferramentas que aquela mais pobre. Quando uma criança de oito anos de uma camada social mais baixa é estuprada, a mãe chega muito mais rápido a mim do que uma menina de nível social alto. As políticas públicas são importantes, mas é preciso uma discussão agora! Nós sabemos que a erotização é um fenômeno, que a violência sexual é um fenômeno, que o tráfico de mulheres é um fenômeno, e que as mulheres estão indo para fora do Brasil porque há um mercado para isso. Se existe um mercado brasileiro garantido é o da prostituição. Se nós já sabemos identificar o turismo sexual, o mercado da prostituição e a erotização, o que fazer? É preciso que o coletivo das autoridades, da escola, da saúde, da educação passe a fazer um debate sério. Por isso que eu luto tanto pela causa na área da saúde, para que essas crianças e adolescentes não sejam escravos da oferta de consumo sexual.
CeC – Na opinião da senhora, qual é a maior dificuldade de estabelecer esse debate de forma mais séria?
Albertina Duarte - No Estado de São Paulo conseguimos reduzir a gravidez na adolescência em 34%. Nós temos um SUS e uma legislação fantástica, a melhor do mundo. Somos um país que tem recursos, sim. Da mesma forma que construímos casas populares, hospitais e implementamos várias “bolsas famílias”, deve existir a bolsa saúde, uma bolsa de discussões. É preciso popularizar o acesso ao debate. Devemos formar profissionais capazes de entender o erotismo. Acho que na escola pública e privada tem de se discutir o erotismo. A erotização, mais que uma violência, é um retorno à escravidão.
CeC - Como as suas pacientes reagem a essas questões?
Albertina Duarte - Eu já fiz parto de menina de 10, 11 anos, e realmente é um impacto. Uma criança tomando conta de outra criança. O que a gente tem feito é primeiro tentar fazer com que essa criança tenha um vínculo com o filho. Num primeiro momento ela até fica feliz, mas veja, a vida passa. O grande problema é como essa criança fica socialmente excluída. Ela entra no mercado de trabalho sem condições. Então, ela volta a engravidar.
No entanto, Albertina também chama a atenção para um fenômeno que impacta de forma brusca e trágica a vida de crianças e adolescentes: a erotização precoce estimulada pela “política do consumo”, como diz. Ela conta que muitas de suas pacientes sentem-se discriminadas por não terem a roupa da moda ou são excluídas por não seguirem um padrão de beleza imposto pelo mercado.
Para ela, a velha desculpa de que a responsabilidade de toda a situação de violência que vivemos é dos pais não cabe mais nesse debate. “As famílias estão separadas, a mulher entrou no mercado de trabalho, as mães têm menos tempo para cuidar dos filhos. Isso é uma verdade internacional, mas isso não pode ser uma desculpa internacional”, alerta.
CeC - Há quanto tempo a senhora lida com adolescentes?
Albertina Duarte - Desde 1971, quando foi inaugurado o primeiro ambulatório de ginecologia infanto-juvenil do Brasil, no Hospital das Clínicas de São Paulo. Eu tinha um ano de formada e fui convidada para fazer parte deste trabalho. A ginecologia infantil no Brasil começou nessa época. Na Argentina, o trabalho teve início em 1950 e, nos EUA, em 1940. Até então, essa área era muito mais voltada para a mulher adulta. Foi exatamente em setembro de 71 que se iniciou essa questão aqui, com o ambulatório e com o primeiro livro sobre o assunto, do qual eu sou co-autora, com revisão do Prof. Álvaro Bastos, publicado em 1975.
CeC - Por que o Brasil começou a tratar a questão tanto tempo depois de outros países?
Albertina Duarte - As políticas públicas do Brasil eram mais voltadas para a questão materno e infantil. Então, os focos maiores eram relacionados à puericultura, ou seja, logo ao nascer. A visão da mulher como um todo - e da mulher com seu ciclo de vida, na infância, na adolescência, até a fase adulta e da terceira idade - não existia. E o foco ainda era o tratamento da doença, e não a prevenção da saúde. Mas os movimentos de mulheres que começaram nos anos 70 apontaram para a importância de todas essas fases da vida.
CeC - Nesse período, da década de 70 até hoje, que tipo de mudanças a senhora observou com relação à sexualidade?
Albertina Duarte - Sem dúvidas, as mulheres não tinham voz para falar sobre a sua sexualidade até os anos 70. Elas sentiam-se culpadas por não terem orgasmo, não terem prazer. Poucas falavam da questão da anticoncepção. Então, havia todo um sentimento de culpa ou de cobrança. A partir da década de 80, elas passaram a se voltar mais para a sexualidade, a falar dos seus comportamentos. Isso é um fenômeno mundial. Mas também foi nesse período que a atividade sexual começou a ser cada vez mais precoce. Precoce não em termos só de idade, mas em relação a vínculos afetivos. Em muito pouco tempo de conhecimento entre os parceiros, já há a relação sexual e a mulher passa a ser vítima da cobrança no que diz respeito ao corpo.
CeC – O que contribuiu para que isso acontecesse? A mídia tem um papel nesse processo?
Albertina Duarte - Eu não acho que seja apenas a mídia. Acho que é uma política de corpo na qual a mulher começa – no movimento histórico – a se cobrar por não ter o corpo exigido pelos padrões globais, internacionais de beleza. A mulher começa a lutar pelas suas reivindicações, pelos seus cuidados... Mas também passa a ser pressionada pelo consumo, com as vendas de produtos de beleza, da moda e tudo mais. Então, há dois movimentos: um movimento de mulheres voltadas para discutir seus direitos e sua força, e outro que utiliza a mulher para que ela sinta a necessidade de consumir muita coisa para ser aceita socialmente. A política de consumo faz com que a mulher fique erotizada. Hoje a moda faz com que as crianças vistam-se como pequenas adultas e usem objetos de consumo para se sentirem aprovadas. Na escola, a menina que não tem o tênis da moda, acaba se sentindo discriminada. A questão da erotização passa também por uma necessidade de vender produtos que valorizam o corpo das meninas e dos meninos. E com certeza as roupas da moda são objetos eróticos.
CeC – Hoje os adolescentes têm dificuldades de lidar com a sexualidade e o sexo? Eles se têm se envolvido cada vez mais jovens com essas questões?
Albertina Duarte - O diálogo mudou. Hoje com certeza os pais falam mais sobre a questão sexual e a AIDS certamente obrigou essa participação mais ativa dos pais na conversa sobre sexualidade. Em todo o mundo, a questão da sexualidade e o medo de morrer de AIDS são determinantes para uma mudança de comportamento. A AIDS ainda tem o agravamento do medo da morte. Se durante muitos anos o medo era de engravidar, a partir dos anos 80 os pais começaram a ter medo de os filhos morrerem. E começaram a trabalhar com as questões de dialogar sobre sexo. Eu tenho 38 anos de formada e não tenho dúvidas de que falar com os pais hoje sobre sexualidade está muito mais fácil do que há 10, 20 anos. Não só porque eu estou mais preparada, mas porque a sociedade está exigindo isso. A sexualidade passou a ser discutida não mais com foco na insegurança. O contato passou de “como são as cegonhas” a “como se transa”. Há informações na mídia, que considero importantes e interessantes, que colocam as questões da camisinha, por exemplo. E observo que há duas mídias diferentes: a que informa, que discute, e a que é patrocinada para consumir. Hoje a mesa do mundo mudou porque esses patrocinadores precisavam vender alimentos. O que você vê na mesa da família atual é diferente do que se via há 30 anos. Também temos um excesso de consumo de roupa. Eu não tinha isso nos anos 70, de uma criança precisar usar maquiagem, creme no corpo. Desde a maternidade, a lista já começa com ítens de consumo que só falta colocar camisinha infantil para recém nascido!
CeC - A senhora acha que a sociedade como um todo percebe a relação dos problemas ligados à sexualidade com o estímulo ao consumo?
Albertina Duarte - Eu acho que os pais são reféns. Eles são heróis e deram um salto inacreditável. Foi o salto de, sem serem ouvidos quando adolescentes, passarem a falar com os seus filhos sobre a questão. Pai que nunca pôde namorar dentro de casa, hoje prefere que o filho fique com a namorada dentro de casa do que sofra um abuso, uma violência na rua. O mundo mudou. A violência exigiu uma série de mudanças sexuais, a AIDS fez a sua função, e alguém ganhou. Quem ganhou? O pessoal do “consumir para lucrar”. O problema foi que as políticas públicas não alertaram os pais para isso.
CeC - A atividade sexual é cada vez mais precoce, mas a senhora não relaciona isso somente à idade. O que mais contribui?
Albertina Duarte - A menstruação, quando eu me formei, acontecia aos 13 anos. Hoje acontece aos 12. Eu já fiz parto de menina de nove anos de idade. São três mil casos de meninas que menstruam antes dos 10 anos. Meninas com seis anos que começam a ter mamas, pêlos, e que são abordadas na escola como pequenas mulheres. Eu atendia uma menina que de sete anos que era obrigada pelos meninos da oitava série (ela estava na terceira) a fazer poses eróticas. A gordura, o aumento de peso, e o excesso à exposição à luz e ao som estão relacionados à puberdade precoce; existem vários fatores. Se você antecipa a menstruação, você antecipa também caracteres sexuais secundários, quer dizer, quem menstrua aos 9, 10, começa a ter caracteres sexuais secundários três anos antes. Então, com sete ou oito anos, as meninas muitas vezes já se tratam como mulheres. Com os meninos isso também acontece. Essa situação não teve uma abordagem social das autoridades. Não é só uma política pública, é uma discussão nacional para que os pais tenham ferramentas para proteger os seus filhos. Não basta dizer: “A coisa começa em casa”. Não é bem assim. As famílias estão mudando. As famílias estão separadas, a mulher entrou no mercado de trabalho, as mães têm menos tempo para cuidar dos filhos. Isso é uma verdade internacional, mas isso não pode ser uma desculpa internacional. Não basta um discurso dizendo que é preciso que as famílias voltem às origens. Elas já estão em outra etapa. É preciso que o Estado e a sociedade garantam que as famílias não sejam culpadas pelas situações que estão acontecendo. Eu sei muito bem ver os sinais de abuso.
CeC - E quais são esses sinais?
Albertina Duarte – O primeiro é a queda do desempenho escolar. Depois observa-se a alegria, os olhos, o movimento da criança. Ou ela começa a falar muito rápido, fica muito agitada, ou muito quieta. E a mudança é brusca. Você vê uma criança que brinca de boneca, que conversa, e de repente ela passa a ficar diferente. Não participa mais, quer ficar sozinha. Esses são sinais importantes. Se essa criança chora ou não dorme direito pode ser até uma dor de barriga, mas pode ser uma gravidez. A mãe deve ficar na retaguarda e saber identificar quando seus filhos estão diferentes. Uma criança que só fica no computador, que fica quieta o tempo todo, não tem nenhuma recreação, não tem horário para comer pode estar com problemas.
CeC – A violência sexual atinge todas as camadas socioeconômicas?
Albertina Duarte - A violência sexual atinge crianças e adolescentes de altíssima classe social até de classes sociais mais baixas. Se nós temos um sinal democrático que é horrível, é a violência. Ela perpassa todas as classes sociais com quase a mesma intensidade. E muitas vezes uma família de nível social muito alto tem as mesmas poucas ferramentas que aquela mais pobre. Quando uma criança de oito anos de uma camada social mais baixa é estuprada, a mãe chega muito mais rápido a mim do que uma menina de nível social alto. As políticas públicas são importantes, mas é preciso uma discussão agora! Nós sabemos que a erotização é um fenômeno, que a violência sexual é um fenômeno, que o tráfico de mulheres é um fenômeno, e que as mulheres estão indo para fora do Brasil porque há um mercado para isso. Se existe um mercado brasileiro garantido é o da prostituição. Se nós já sabemos identificar o turismo sexual, o mercado da prostituição e a erotização, o que fazer? É preciso que o coletivo das autoridades, da escola, da saúde, da educação passe a fazer um debate sério. Por isso que eu luto tanto pela causa na área da saúde, para que essas crianças e adolescentes não sejam escravos da oferta de consumo sexual.
CeC – Na opinião da senhora, qual é a maior dificuldade de estabelecer esse debate de forma mais séria?
Albertina Duarte - No Estado de São Paulo conseguimos reduzir a gravidez na adolescência em 34%. Nós temos um SUS e uma legislação fantástica, a melhor do mundo. Somos um país que tem recursos, sim. Da mesma forma que construímos casas populares, hospitais e implementamos várias “bolsas famílias”, deve existir a bolsa saúde, uma bolsa de discussões. É preciso popularizar o acesso ao debate. Devemos formar profissionais capazes de entender o erotismo. Acho que na escola pública e privada tem de se discutir o erotismo. A erotização, mais que uma violência, é um retorno à escravidão.
CeC - Como as suas pacientes reagem a essas questões?
Albertina Duarte - Eu já fiz parto de menina de 10, 11 anos, e realmente é um impacto. Uma criança tomando conta de outra criança. O que a gente tem feito é primeiro tentar fazer com que essa criança tenha um vínculo com o filho. Num primeiro momento ela até fica feliz, mas veja, a vida passa. O grande problema é como essa criança fica socialmente excluída. Ela entra no mercado de trabalho sem condições. Então, ela volta a engravidar.
Fonte : Instituto Alana
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