quinta-feira, 13 de maio de 2010

Tecnologia parece alterar caráter de amizades juvenis

Antigamente, as crianças conversavam fisicamente com seus amigos. Aquelas horas passadas no telefone da família ou na companhia de amigos do bairro desapareceram muito tempo atrás. Hoje, porém, até mesmo trocar ideias por celular ou e-mail está ultrapassado. Para os adolescentes e pré-adolescentes atuais, a amizade parece se desenrolar cada vez mais por meio de minitextos, SMSs ou nos fóruns muito públicos de Facebook ou MySpace.

Boa parte das preocupações com esse uso da tecnologia tem sido voltada, até agora, a suas implicações no desenvolvimento intelectual das crianças. Mas especialistas começam a estudar um fenômeno profundo: a possibilidade de a tecnologia estar mudando a própria natureza das amizades das crianças.

"De modo geral, os temores suscitados pelo ciberbullying e o sexting [troca de mensagens com textos e imagens de teor sexual] têm ocupado o primeiro plano, deixando em segundo plano um olhar sobre coisas realmente nuançadas, como a maneira como a tecnologia está afetando o caráter de proximidade da amizade", disse Jeffrey G. Parker, professor-associado de psicologia na Universidade do Alabama, que estuda as amizades infantis desde a década de 1980. "Estamos apenas começando a analisar essas modificações sutis."
A dúvida é se todo esse envio de mensagens e a participação em redes sociais on-line permite aos adolescentes e crianças ficar mais em contato com seus amigos e lhes dar mais apoio -ou se a qualidade de suas interações está sendo prejudicada pela ausência da intimidade e da troca emocional dadas pelo tempo passado fisicamente juntos.

Ainda é muito cedo para saber a resposta. Escrevendo no periódico "The Future of Children", Kaveri Subrahmanyam e Patricia M. Greenfield, psicólogos, respectivamente, da Universidade Estadual da Califórnia e da UCLA, observaram: "Evidências qualitativas iniciais indicam que a facilidade das comunicações eletrônicas pode estar fazendo os 'teens' terem menos interesse em comunicação cara a cara com seus amigos. São necessárias mais pesquisas para avaliar até que ponto esse fenômeno está presente e quais seus efeitos sobre a qualidade emocional de um relacionamento".

Mas a questão é importante, acreditam estudiosos, porque as amizades infantis estreitas ajudam as crianças a ganhar confiança em pessoas de fora de seu círculo familiar e a deitar as bases para relacionamentos adultos saudáveis. "Não podemos deixar que os relacionamentos bons e estreitos desapareçam. Eles são essenciais para permitir que as crianças brinquem com suas emoções, expressem suas emoções -todas as funções de apoio que acompanham os relacionamentos adultos", disse Parker.

O que veem muitos profissionais que trabalham com crianças são intercâmbios mais superficiais e mais públicos que no passado. Um dos receios é que as crianças e os adolescentes de hoje possam estar deixando de viver experiências que os ajudam a desenvolver empatia, compreender nuances emocionais e interpretar indicações como as expressões faciais e linguagem corporal. Com as obsessões tecnológicas das crianças começando em idade cada vez mais precoce, é possível que seus cérebros acabem sofrendo modificações e que essas habilidades se enfraqueçam mais, pensam alguns pesquisadores.

Mas outros estudiosos da amizade argumentam que a tecnologia está aproximando as crianças mais que nunca. Elizabeth Hartley-Brewer, autora do livro "Making Friends: A Guide to Understanding and Nurturing Your Child's Friendships" (Fazendo amigos: um guia para compreender e alimentar as amizades de seu filho), acredita que a tecnologia permite a adolescentes e crianças ficar conectados com seus amigos 24 horas por dia. "Acho possível afirmar que a mídia eletrônica está ajudando as crianças a ficar muito mais em contato e por mais tempo."

E alguns pais concordam. Beth Cafferty, professora de segundo grau em um subúrbio de Nova York, estima que sua filha de 15 anos envie centenas de mensagens de texto todos os dias. "Acho que eles ficam mais próximos. Qualquer coisa que me vem à mente eu lhe digo imediatamente por mensagem de texto", disse ela. Para algumas crianças ou adolescentes, a tecnologia é um instrumento que facilita uma vida social ativa.

Hannah Kliot, 15, aluna de nona série em Manhattan, diz que usa o SMS para fazer planos e para transmitir coisas que acha engraçadas ou interessantes. Mas também o usa para saber como estão suas amigas que podem estar chateadas com alguma coisa -e, nesses casos, procura conversar realmente com elas. "Mas acho que a nova forma de conversar com uma pessoa é o bate-papo por vídeo, no qual você realmente vê a outra pessoa", disse. "Já dei telefonemas, mas telefonar é considerado antiquado."

Folha de S. Paulo, The New York Times, 10/5/2010

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